Foto: Divulgação
Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 05 de setembro de 2019
"Tudo o que a gente quer e tem vontade de fazer tem que
fazer. Insistir e fazer"
Aos 88 anos, caminhoneiro começa a frequentar a escola pela
primeira vez.
Sentado na primeira carteira da fila central da sala de
aula, José Aniceto Araujo, o Seu José, um paraibano radicado em Sergipe,
esperava ansioso e alinhado pela chegada da professora. Era mais um dia de
profundo aprendizado para ele, que aprendeu sozinho a ler e a escrever. Essa
espera acontece no Centro de Referência de Educação de Jovens e Adultos Prof.
Severino Uchôa, localizado no bairro Getúlio Vargas, em Aracaju, em que há 6
meses Seu José frequenta todos os dias as turmas do Ensino Fundamental da EJA.
Ao apanhar o registro de identidade da carteira, José
Aniceto alerta como se escreve o nome um tanto quanto incomum, garantindo que
ninguém erre a grafia. Esse é um dos vários sinais espontâneos que demonstra o
amor que carrega desde muito jovem pelos estudos, mesmo tendo estado longe das
tradicionais salas de aula que ele só começou a frequentar aos 83 anos.
A vida na roça, quando historicamente as famílias não tinham
os direitos fundamentais de acesso à educação garantidos, e, depois, o ofício
de caminhoneiro, restringiram sua vida do letramento. Desde os 17 anos de idade
percorreu quase todo o Brasil trabalhando, dormindo e acordando na boleia do
caminhão. E foi nessa circunstância que Seu José começou a conhecer as letras,
juntá-las e formar as palavras de maneira autodidata. A cada cidade que
conhecia comprava jornais e revistas para o exercício diário. Enquanto
descansava da viagem, começava outro passeio pela leitura autônoma até atingir
o primeiro e grande objetivo: escrever o próprio nome. Daí por diante
"deslanchou", conta com satisfação.
O primeiro contato de Seu José com uma sala de aula
aconteceu quando a filha Rosimeire Araujo descobriu um curso de inglês para a
3ª idade na Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde está há 5 anos. Foi lá
que Seu José se apaixonou pela língua inglesa. Durante essa entrevista ele
intercalava as respostas com frases em inglês, a fim de encontrar alguém que
pudesse praticar a segunda língua: Do you speak english? Uma de suas
professoras de inglês sugeriu a Educação de Jovens e Adultos. Foi quando Seu
José procurou o Serviço de Educação de Jovens e Adultos do Governo de Sergipe e
se matriculou no Severino Uchôa.
A coordenadora pedagógica, Edite Maciel, recebeu Seu José
com a informação de que nunca havia frequentado a escola formal, porém era
alfabetizado. Deste modo, aplicou a prova de reclassificação para a 3ª etapa do
EJAF1 correspondente ao 4º e 5º ano. Desde quando começou a frequentar as
aulas, Seu José apresenta rendimento satisfatório, com um pouco de dificuldade
em matemática, mas superando os desafios a cada dia. Com lágrimas nos olhos,
Edite fala da emoção que é tê-lo na escola.
"A lição que ele está dando aqui é de nunca desistir",
enfatiza.
A professora polivalente, Silvana Alves, carrega o título de
primeira professora e também se enche de orgulho ao falar do aluno. Ela conta
que ele é presente, participativo e colaborativo em todas as aulas, mas é nas
aulas de história e de geografia que os olhos de Seu José brilham, pois são
momentos que afagam a memória afetiva, como quando recorda que esteve na
capital do Brasil e viu Juscelino Kubitschek inaugurar Brasília ou quando
comenta com nostalgia sobre as cidades, festas regionais e os tipos de relevo
que conheceu pela janela do caminhão.
A professora Silvana manifesta a satisfação durante as trocas
de saberes em sala de aula. Confessa que foi através de Seu José que ainda este
ano vai começar a estudar inglês, pois descobriu que, além de idosos, o curso
da UFS oferta as aulas para envelhecentes a partir de 45 anos, critério no qual
ela se encaixa.
Disposição e incentivo
A disposição de Seu José é reconhecida pelo colega de classe
André Luis de Menezes. Segundo ele, nunca esperou encontrar alguém de 88 anos
em sala de aula. "Eu já vi pessoas de 60 anos voltar para a escola, mas
com mais de 80 anos é uma raridade e um incentivo para outras pessoas. Eu me
sinto motivado".
Seu José não pretende parar de estudar tão cedo, mas quando
é questionado sobre o que vai fazer depois que terminar os estudos, não hesita,
diz que vai passear. Ele se alegra em poder compartilhar um dos seus mais
sábios conselhos: "Tudo o que a gente quer e tem vontade de fazer tem que
fazer. Insistir e fazer". E conclui com um sorridente "thank you very
much".
Educação de Jovens e Adultos em Sergipe
Segundo dados do Serviço de Educação de Jovens e Adultos da
Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura (Seduc), foram
registrados 25.951 matrículas nas nove diretorias regionais e na diretoria de
educação de Aracaju até agosto de 2019. Seu José é um deles. Somente no
primeiro semestre, a unidade do serviço do Severino Uchôa recebeu cerca de
1.100 alunos entre as turmas de Ensino Fundamental (EJAF1 e EJAF2) e Ensino
Médio (EJAEM).
Ibernon Macena, chefe do Serviço de Educação de Jovens e
Adultos, destaca que muitas pessoas precisam optar entre trabalhar e estudar.
Desse modo, a EJA trabalha na perspectiva de corrigir essa falha social,
oportunizando o acesso ao ensino e readaptando aquele indivíduo dentro do
contexto escolar. Ibernon relata que o Governo do Estado pretende criar um
projeto de alfabetização com ênfase em regiões onde o Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) estejam negativos.
Texto e imagem reproduzidos do site: jornaldacidade.net
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