TRAGÉDIA EM BRUMADINHO Por BBC News Brasil e Folha de S.Paulo | 30 de Jan de 2019
'É como estar
dentro de um liquidificador gigante', conta parente de jovem resgatada no
'último suspiro'Imagens de Thalyta coberta de lama circularam o
mundo
Thalyta está internada na unidade de tratamento intensivo
do
hospital de pronto-socorro João XXIII
Foto: Arquivo Pessoal
Thalyta Cristina de Oliveira Souza, de 15 anos, estava na
profundeza da lama em Brumadinho, em Minas Gerais, prendendo a respiração para
tentar subir —e já estava "preparada para morrer" quando enfim
conseguiu alcançar a superfície.
"Ela levantou o braço e pediu socorro, mas já estava no
último momento de suspiro, não aguentava mais", diz seu cunhado, José
Antônio Soares Pereira, de 46 anos —o único que não estava em casa quando a
barragem rompeu. Ele tem sido o porta-voz da família, repassando os relatos que
ouviu das parentes hospitalizadas.
Imagens de Thalyta coberta de lama, sendo resgatada por
bombeiros em um helicóptero, circularam o mundo antes que se soubesse seu nome.
O vídeo captado pela TV Record se tornou um dos registros
mais emblemáticos da tragédia, com a aeronave quase encostando no terreno
movediço, e a jovem sendo puxada com as pernas balançando, sem controle do
corpo da cintura para baixo.
Thalyta quebrou a bacia e o fêmur ao ser engolida pela onda
de lama despejada após a ruptura da Barragem I da mina Córrego do Feijão, em
Brumadinho.
"Ela relatou para mim depois que estava sentindo dor,
muita dor, que não sentia mais a parte de baixo do corpo", diz José
Antônio à BBC News Brasil.
Thalyta está internada na unidade de tratamento intensivo do
hospital de pronto-socorro João XXIII, junto com sua irmã mais velha,
Alessandra de Souza, de 43 anos, esposa de José Antônio.
Ambas conseguiram se salvar ao serem puxadas da lama pouco
após o acidente por vizinhos que chegaram em busca de sobreviventes e as
mantiveram à tona. Depois, foram resgatadas pelos bombeiros.
Mas a filha de Alessandra e de José Antônio —Lays Gabrielle,
de 14 anos— está desaparecida desde sexta-feira (25).
"A minha esposa está toda inchada, toda roxa, e só faz
perguntar por ela", conta José Antônio. "A Lays era tudo para nós.
Era a única filha que a gente tinha."
Thalyta havia chegado a Brumadinho havia apenas quatro dias
antes para morar com a irmã mais velha depois que a mãe das duas faleceu, há
quatro meses. Ela morava em Várzea de Palma, no norte de Minas, de onde toda a
família vem.
As duas irmãs têm relação de mãe e filha por causa da
diferença de idade, de quase 20 anos, e Thalyta foi criada como irmã de Lays,
apenas um ano mais jovem.
Grito de dor
As três estavam em casa, se preparando para almoçar, quando
onda de lama chegou.
José Antônio conta que Alessandra ouviu um barulho enorme e
gritou para todas correrem, e cada uma fugiu para um canto. Thalyta ouviu um
grito de dor da Lays —e depois não houve mais sinal da jovem.
"A onda era tão grande, tão imensa, mandava você para
um lado, para o outro - esses são os relatos delas, você achava que estava
embaixo, estava em cima", descreve José Antônio.
"A única imagem que a gente tem é como se você
estivesse dentro de um liquidificador gigante, sendo girada de um lado e para o
outro, e sendo esmagada por pedra, pau, ônibus, veículo, porta, tudo que estava
vindo para baixo, esmagando as pessoas, quebrando tudo."
Alessandra conseguiu ir para um lugar com menos correnteza e
logo chegaram dois moradores que ajudaram a puxá-la da lama. "Ela gritou,
'salve minhas duas filhas lá no meio!' Aí um deles ficou com a minha esposa e o
outro afundou na lama para ajudar a Thalyta. Ele conseguiu puxar ela para um
lugar mais raso, nas margens da lama, e ficou dando apoio para ela,
conversando, fazendo ela ficar acordada até os bombeiros chegarem", conta.
Casa devastada
A família vivia na Pousada Nova Estância - o charmoso hotel
que costumava hospedar celebridades e receber turistas que vinham a Brumadinho
para conhecer o Inhotim, centro de arte contemporânea. José Antônio era
superintendente de serviços gerais desde que o hotel abriu, há dez anos, e
tinha uma casa dentro da propriedade, cercada de verde em uma área de proteção
ambiental.
"Eu tinha uma paixão imensa pela pousada. Aquilo era
lindo, maravilhoso, um lugar encantador, admirado por todo mundo."
Naquela sexta-feira, por acaso, José Antônio havia ido
resolver pendências em Belo Horizonte. Um amigo ligou dizendo que tinha havido
um rompimento da barragem. "Eu não entendi. Não imaginava o grau. Achei
que uma quantidade pequena de água havia vazado. Quando liguei a rádio que fui
entender a dimensão."
José Antônio conseguiu ter notícias de que a esposa e
Thalyta estavam a salvo - mas correu para o local atrás de sinais de sua filha.
Não havia mais casa, pousada, nada. As construções
charmosas, o paisagismo cuidadoso, os ateliês de cerâmica e pintura dos
proprietários, Cleo e Márcio Mascarenhas, o trabalho de anos de dedicação dos
donos e dos funcionários - tudo estava submerso em um mar de lama.
osé Antônio registrou a devastação em seu celular,
percorrendo o horizonte coberto de lama. No vídeo, ele se emociona ao encontrar
o cachorro da filha, Bob. "Olha quem eu achei aqui. Olha que beleza. Achei
o Bobinho. Mas não achei a minha filha", diz, emocionado.
'Tsunami"
A onda que desceu da barragem foi tão violenta que a pousada
se deslocou de lugar, segundo o Corpo de Bombeiros.
Cristina, Crioula, Jussara, Robinho são alguns dos
funcionários que estão desaparecidos, além de turistas que estavam na pousada,
como cinco membros da mesma família, entre eles Luiz Taliberti Ribeiro e sua
noiva, Fernanda Damian de Almeida, que está grávida. Eles moram na Austrália
haviam acabado de chegar para conhecer o Inhotim.
O corpo da proprietária, Cleo Mascarenhas, foi identificado
nesta terça-feira.
Hoje, José Antônio lembra com amargura as visitas de
funcionários da Vale no ano passado, fazendo o levantamento de bens dos
moradores e da pousada, instalando sirenes e oferecendo treinamento para
evacuação rápida do local.
"Na época, falaram que não tinha chance nenhuma de a
barragem romper. Nós ficamos seguros com isso", lembra. Mas o alarme não
soou.
"Centenas de vítimas foram escavadas por um tsunami de
lama por negligência da Vale. Se tivesse acionado a sirene, teria salvado
centenas de vítimas. É uma revolta, uma dor terrível."
Ele já não tem esperanças de encontrar Lays com vida, e
relata que Thalyta tem dito que deveria ter morrido em seu lugar.
"A dor é muito grande"
José Antônio clama por justiça - e para que em Brumadinho
não se repita a morosidade que se viu após a tragédia de Mariana, que até hoje
não teve culpados condenados.
"A dor é muito grande. Perdemos nossas famílias, nossos
pertences, nossas lembranças. Nada vai trazer isso de volta", diz.
Fontes: BBC News Brasil e Folha de S.Paulo
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