Ilustração: Nando Motta
Publicado originalmente no site VERMELHO, em 5 de junho de 2020
A simbólica morte de Miguel
Por Joana Rozowykwiat *
Esse horror que é a morte do menino Miguel é a história com
mais símbolos de que eu tenho lembrança:
A empregada que trabalha durante a pandemia;
A empregada que não tem com quem deixar o filho;
A empregada é negra;
A patroa é loura;
A patroa é casada com um prefeito;
O prefeito tem uma residência em outro município, que não é
o que governa;
A patroa tem um cachorro, mas não leva ele pra passear,
delega;
A patroa está fazendo as unhas em plena pandemia, expondo
outra trabalhadora;
A patroa despacha sem remorso o menino no elevador;
O menino se chama Miguel, nome de anjo;
O sobrenome da patroa é Corte Real;
A empregada pegou Covid com o patrão;
A empregada consta como funcionária da Prefeitura de
Tamandaré;
Tudo isso acontece nas torres gêmeas, ícone do processo e
verticalização desenfreada, especulação imobiliária e segregação da cidade do
Recife;
Tudo isso acontece em meio aos protestos Vidas Negras
Importam;
Tudo isso acontece no dia em que se completaram cinco anos
da sanção da lei que regulamentou o trabalho doméstico no Brasil;
É muita coisa, muito símbolo.
* Joana Rozowykwiat - Jornalista e escritora
Texto e imagem reproduzidos do site: vermelho.org.br

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