Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 12 de novembro de 2018
Mercado de trabalho ainda é excludente para transexuais
Segundo Antra, 90% das pessoas trans estiveram ou estão na
prostituição.
Foto: Jadilson Simões
“Eu saí com um cliente e ao terminar o trabalho, ele olhou
para mim e disse para eu contar até três, que eu iria morrer naquele momento.
Foi ali no Farol da Coroa do Meio há 11 anos. Era um fusca branco e se tratava
de um jovem. Eu vi que não tinha bala e reagi. Ele me deu várias coronhadas de
revólver. Não sei nem como cheguei ao Hospital João Alves. Perdi muito sangue e
fiquei sem memória durante três dias”.
O relato acima é da transexual Jéssica Taylor. Ela foi
expulsa de casa aos 10 anos de idade e, aos 11, se viu obrigada a entrar no
submundo da prostituição para sobreviver. Isso mesmo, sobreviver. À época, há
mais de 30 anos, o preconceito era latente e ecoava aos quatro cantos das
imediações do Centro da cidade, principal reduto para aquelas que ousaram ser
diferentes.
“Iniciei no Banese Central, até que fui para o Calçadão da
Rua São Cristóvão com Itabaianinha. Depois tive que migrar para a Rua da
Frente, foi aí que fui conhecer a Rua da Frente, porque a gente parecia morcego
e não podia sair durante o dia. A gente se escondia e só aparecia à noite. A
sociedade se recolhia e a gente aparecia”, narra Jéssica.
Mas, mesmo que a narrativa não dissesse o tempo exato dos
acontecimentos, poderia ser facilmente confundida com os dias atuais, como se
fosse um caso que tenha acontecido no início desse ano ou, até mesmo, na semana
passada. A realidade continua semelhante.
Segundo o Relatório da violência homofóbica no Brasil,
publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a
transfobia faz com que esse grupo acabe tendo como única opção de sobrevivência
a prostituição de rua.
E esse dado é ratificado pela Associação Nacional de
Travestis e Transexuais (Antra), que, com base em dados colhidos nas diversas
regionais da entidade, aponta que 90% das pessoas trans recorrem a essa
profissão em algum momento de suas vidas.
Para a presidente da Associação de Travestis e Transgêneros
de Aracaju (Astra), Tatiane Araújo, nada mudou. Pelo contrário, o mercado de
trabalho para essas pessoas tem se tornado um ataque à ideologia de gênero.
“Eu denuncio isso há mais de 15 anos. Eu mesma, coordenei um
projeto ligado a uma ONG internacional, há 10 anos, onde levantamos que
travesti e transexuais possuíam como única alternativa de vida, a prostituição.
E a gente vê que o dado não se altera. O mercado de trabalho discrimina e isso
se reverbera na exclusão social, onde só resta a esquina, que muitas vezes, não
é segura. Um dado que reflete essa mazela social”, lamenta Tatiane.
Ela continua: “Há uma carga de falta de informação e ataque
à ideologia de gênero. Não que a prostituição seja algo errôneo, que as pessoas
devam se envergonhar dela, porém, não deve ser a única alternativa de uma
pessoa trans para a sobrevivência. As trans que conseguem vencer a barreira do
preconceito da esquina, elas trabalham no mercado informal como cabeleireiras”.
Mesmo com toda essa história triste e de superação diária,
Jéssica Taylor não se deixa abater. Ela fundou há 20 anos a Associação de
Travestis Unidas, presidida, atualmente, por ela. A entidade serve como apoio
principal para aquelas que, assim como Jéssica, ousaram se tornar donas de sua
própria história em busca da tão almejada felicidade.
“O sonho que eu tenho é que eu possa dormir e acordar sem
ter que ver nenhuma travesti e transexual ser violentada”, finaliza Jéssica
Taylor.
Texto e imagem reproduzidos do site: jornaldacidade.net
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